Trainee: Escassez de talentos faz empresas aceitarem jovens com formações diferentes das tradicionais.
Vívian Soares | De São Paulo
Tradicionais redutos de engenheiros, administradores e economistas, os programas de trainee têm diversificado cada vez mais seus processos de seleção. A escassez de mão de obra no mercado tem feito muitas companhias reverem suas prioridades e reduzirem as exigências em relação à formação acadêmica dos candidatos.
Um levantamento realizado pela Cia de Talentos revela que 80% das empresas recebem inscrições de jovens com formação em alguns cursos além de administração, economia e engenharias. Embora, poucas aceitem candidatos com qualquer graduação, o mercado aos poucos está mudando. Há três anos, a Cia de Talentos conduzia apenas um programa que permitia a participação de jovens de todos os cursos superiores. Hoje são cinco, número que deve aumentar a partir do próximo ano. "O interesse das empresas em eliminar essa barreira na seleção é cada vez maior", diz Carla Esteves, diretora da consultoria.
Em 2009, a Natura reformulou o seu programa de trainee e fez, pela primeira vez, uma seleção aberta a candidatos provenientes de qualquer faculdade. Denise Asnis, gerente do escritório de liderança, explica que o principal objetivo foi atrair talentos com valores e perfis similares aos da organização.
Na seleção deste ano, nem mesmo a idade foi um impedimento - a única exigência era a de que os interessados estivessem graduados há, no máximo, quatro anos. A mudança, segundo Denise, trouxe boas surpresas: o processo atraiu trainees de diferentes formações e regiões do Brasil. "Acreditamos que é mais fácil formar aspectos técnicos do que valores. Dar um curso de informática ou de planejamento estratégico é muito mais simples e barato do que tentar inocular uma cultura", afirma.
A nova postura da Natura fez com que o então recém-formado em ciências sociais Bruno Bidóia se inscrevesse, pela primeira vez, em um programa de trainee. Ele faz parte desde o ano passado do time de jovens talentos da companhia e diz que, durante os estudos, não considerava esse tipo de programa como uma opção para iniciar a carreira. "Nem sabia o que era um trainee", admite. Acabou descobrindo do que se tratava em uma lista de e-mails da faculdade e começou a pesquisar alguns programas.
A decepção veio logo em seguida, quando o jovem percebeu que a maioria das seleções não aceitava estudantes de ciências sociais. "Descobri o trainee da Natura sem saber que era a empresa, já que na época eles não identificaram o nome. A proposta chamou a atenção e fiquei feliz quando vi que podia me candidatar", conta ele, que termina o programa no final deste ano.
Carla Esteves, da Cia de Talentos, explica que as empresas estão ampliando o leque de formações porque começam a enxergar a importância de ter profissionais mais "raros" no ambiente corporativo. "Elas estão percebendo a necessidade de ter um público interno diverso."
A gerente geral de recursos humanos e desenvolvimento organizacional da Whirlpool Latin America, Úrsula Angeli, acredita que não limitar a formação dos trainees tem um impacto positivo na inovação. "A estratégia é não buscar competências muito específicas, pois isso cria pensamentos limitados", afirma.
Desde 2004, a multinacional aceita inscrições de jovens formados em qualquer curso que esteja ligado ao negócio da companhia, desde engenharias até faculdades menos comuns nesse tipo de programa como gastronomia e arquitetura.
É o caso do especialista de mercado Raphael Coelho, que em 2009 entrou como trainee na Whirlpool. A graduação em relações internacionais não impediu que ele buscasse um programa na área corporativa, opção que estava em seus planos desde cedo. Adquiriu experiência gerencial e de vendas em atividades extracurriculares na faculdade. Chegou, inclusive, a morar na China por um ano atuando em projetos de marketing. "Ganhei bagagem e decidi prestar alguns programas de trainee, mas encontrei poucos que aceitavam a minha formação acadêmica", conta. Após a aprovação na Whirlpool, Coelho percebeu que o conhecimento adquirido na faculdade se tornou um diferencial no dia a dia de trabalho. "Aprendi muito sobre a parte administrativa e de gestão. Além disso, pude contribuir dando um ponto de vista diferente para a equipe", diz o ex-trainee, que já recebeu duas promoções desde o fim do curso.
Experiências como a de Coelho, porém, ainda não são comuns. A maioria dos candidatos que se inscreve para o programa da empresa, segundo Úrsula, é formada em cursos tradicionais. Mas a divulgação do processo seletivo em redes sociais como Twitter, Facebook e LinkedIn está atraindo pessoas com perfis diversos. "Estamos tendo acesso a pessoas que talvez nunca encontraríamos de outra forma."
As redes sociais também fazem parte da estratégia das Lojas Renner para democratizar o acesso de trainees ao seu programa, que aceita candidatos com qualquer formação desde 1996. Clarice Martins Costa, diretora de RH da rede varejista, explica que esse tipo de divulgação abriu o leque de interessados no curso: este ano são esperados 30 mil inscritos, ante 22 mil no ano passado. "Já recebemos currículos de gente com formação em filosofia e até zootecnia", diz.
O objetivo do programa, segundo ela, é encontrar candidatos que tenham perfis comportamentais ideais para o varejo. "O importante é termos pessoas com a atitude certa". O conteúdo técnico, de acordo com a diretora, é ministrado durante o curso de formação, que tem aulas teóricas e experiências práticas durante um ano. A seleção exige apenas que o candidato tenha até cinco anos de formado, disponibilidade para viagens e, em algumas áreas, inglês avançado.
Alguns conhecimentos especializados, segundo Carla Esteves, ainda são os principais limitadores para que as companhias abram totalmente os seus programas de trainee. "As empresas que não vão acompanhar essa tendência no médio prazo são aquelas em que a formação técnica é muito importante ou onde a profissão é regulamentada, como no caso dos advogados", diz. Por outro lado, a consultora diz que o mercado está tendo boas surpresas com essa diversidade. "É cada vez mais comum um profissional de turismo ou história trabalhar com finanças ou planejamento estratégico."
"Temos notado uma troca muito grande entre diferentes áreas. Hoje temos advogados e engenheiros no RH, além de pedagogos e economistas no marketing", exemplifica Denise, da Natura.
Vívian Soares | De São Paulo
Tradicionais redutos de engenheiros, administradores e economistas, os programas de trainee têm diversificado cada vez mais seus processos de seleção. A escassez de mão de obra no mercado tem feito muitas companhias reverem suas prioridades e reduzirem as exigências em relação à formação acadêmica dos candidatos.
Um levantamento realizado pela Cia de Talentos revela que 80% das empresas recebem inscrições de jovens com formação em alguns cursos além de administração, economia e engenharias. Embora, poucas aceitem candidatos com qualquer graduação, o mercado aos poucos está mudando. Há três anos, a Cia de Talentos conduzia apenas um programa que permitia a participação de jovens de todos os cursos superiores. Hoje são cinco, número que deve aumentar a partir do próximo ano. "O interesse das empresas em eliminar essa barreira na seleção é cada vez maior", diz Carla Esteves, diretora da consultoria.
Em 2009, a Natura reformulou o seu programa de trainee e fez, pela primeira vez, uma seleção aberta a candidatos provenientes de qualquer faculdade. Denise Asnis, gerente do escritório de liderança, explica que o principal objetivo foi atrair talentos com valores e perfis similares aos da organização.
Na seleção deste ano, nem mesmo a idade foi um impedimento - a única exigência era a de que os interessados estivessem graduados há, no máximo, quatro anos. A mudança, segundo Denise, trouxe boas surpresas: o processo atraiu trainees de diferentes formações e regiões do Brasil. "Acreditamos que é mais fácil formar aspectos técnicos do que valores. Dar um curso de informática ou de planejamento estratégico é muito mais simples e barato do que tentar inocular uma cultura", afirma.
A nova postura da Natura fez com que o então recém-formado em ciências sociais Bruno Bidóia se inscrevesse, pela primeira vez, em um programa de trainee. Ele faz parte desde o ano passado do time de jovens talentos da companhia e diz que, durante os estudos, não considerava esse tipo de programa como uma opção para iniciar a carreira. "Nem sabia o que era um trainee", admite. Acabou descobrindo do que se tratava em uma lista de e-mails da faculdade e começou a pesquisar alguns programas.
A decepção veio logo em seguida, quando o jovem percebeu que a maioria das seleções não aceitava estudantes de ciências sociais. "Descobri o trainee da Natura sem saber que era a empresa, já que na época eles não identificaram o nome. A proposta chamou a atenção e fiquei feliz quando vi que podia me candidatar", conta ele, que termina o programa no final deste ano.
Carla Esteves, da Cia de Talentos, explica que as empresas estão ampliando o leque de formações porque começam a enxergar a importância de ter profissionais mais "raros" no ambiente corporativo. "Elas estão percebendo a necessidade de ter um público interno diverso."
A gerente geral de recursos humanos e desenvolvimento organizacional da Whirlpool Latin America, Úrsula Angeli, acredita que não limitar a formação dos trainees tem um impacto positivo na inovação. "A estratégia é não buscar competências muito específicas, pois isso cria pensamentos limitados", afirma.
Desde 2004, a multinacional aceita inscrições de jovens formados em qualquer curso que esteja ligado ao negócio da companhia, desde engenharias até faculdades menos comuns nesse tipo de programa como gastronomia e arquitetura.
É o caso do especialista de mercado Raphael Coelho, que em 2009 entrou como trainee na Whirlpool. A graduação em relações internacionais não impediu que ele buscasse um programa na área corporativa, opção que estava em seus planos desde cedo. Adquiriu experiência gerencial e de vendas em atividades extracurriculares na faculdade. Chegou, inclusive, a morar na China por um ano atuando em projetos de marketing. "Ganhei bagagem e decidi prestar alguns programas de trainee, mas encontrei poucos que aceitavam a minha formação acadêmica", conta. Após a aprovação na Whirlpool, Coelho percebeu que o conhecimento adquirido na faculdade se tornou um diferencial no dia a dia de trabalho. "Aprendi muito sobre a parte administrativa e de gestão. Além disso, pude contribuir dando um ponto de vista diferente para a equipe", diz o ex-trainee, que já recebeu duas promoções desde o fim do curso.
Experiências como a de Coelho, porém, ainda não são comuns. A maioria dos candidatos que se inscreve para o programa da empresa, segundo Úrsula, é formada em cursos tradicionais. Mas a divulgação do processo seletivo em redes sociais como Twitter, Facebook e LinkedIn está atraindo pessoas com perfis diversos. "Estamos tendo acesso a pessoas que talvez nunca encontraríamos de outra forma."
As redes sociais também fazem parte da estratégia das Lojas Renner para democratizar o acesso de trainees ao seu programa, que aceita candidatos com qualquer formação desde 1996. Clarice Martins Costa, diretora de RH da rede varejista, explica que esse tipo de divulgação abriu o leque de interessados no curso: este ano são esperados 30 mil inscritos, ante 22 mil no ano passado. "Já recebemos currículos de gente com formação em filosofia e até zootecnia", diz.
O objetivo do programa, segundo ela, é encontrar candidatos que tenham perfis comportamentais ideais para o varejo. "O importante é termos pessoas com a atitude certa". O conteúdo técnico, de acordo com a diretora, é ministrado durante o curso de formação, que tem aulas teóricas e experiências práticas durante um ano. A seleção exige apenas que o candidato tenha até cinco anos de formado, disponibilidade para viagens e, em algumas áreas, inglês avançado.
Alguns conhecimentos especializados, segundo Carla Esteves, ainda são os principais limitadores para que as companhias abram totalmente os seus programas de trainee. "As empresas que não vão acompanhar essa tendência no médio prazo são aquelas em que a formação técnica é muito importante ou onde a profissão é regulamentada, como no caso dos advogados", diz. Por outro lado, a consultora diz que o mercado está tendo boas surpresas com essa diversidade. "É cada vez mais comum um profissional de turismo ou história trabalhar com finanças ou planejamento estratégico."
"Temos notado uma troca muito grande entre diferentes áreas. Hoje temos advogados e engenheiros no RH, além de pedagogos e economistas no marketing", exemplifica Denise, da Natura.
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